Revisão |  A Paixão Segundo GH

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Clarice Lispector foi uma escritora influente no século 20 e adaptar algumas de suas obras para a tela não é algo inédito. Talvez a originalidade venha mais da abordagem que Luiz Fernando Carvalho traz para sua versão de A Paixão Segundo GH Uma abordagem que aborda o AudioBook com um monólogo constante que dá vida ao texto de Lispector na voz de Maria Fernanda Cândido acompanhado de visuais que dançam entre o figurativo, o simbólico e o abstrato. Abordagem que tem seu significado nas ideias que Lispector expressa e na forma como essas ideias tomam corpo, o texto base é denso.

O filme acompanha o personagem-título, conhecido apenas como GH, em meio a um momento de profunda reflexão após a demissão de seu funcionário. A situação que parece banal torna-se ponto de partida para um caminho de autoanálise e revelação com tons religiosos. GH parece incomodado com sua própria existência, e as palavras não serão medidas nesse fluxo de ideias.

O comprometimento de Cândido com o papel é evidente, e teria que ser assim para que esse projeto desse certo, sendo quase o único em tela em grande parte do filme, a atriz preenche o espaço com a intensidade que um texto como esse exige. É uma história de epifania e por mais fúteis que sejam os gatilhos de GH para essa revelação, a profundidade que existe na construção do desconforto do personagem é expressiva. Isso é um desconforto não só com o ato de ser, mas também com o estar diante dos outros e reconhecer esses outros como sujeitos.

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É um assunto interessante em larga escala mas, hoje em dia, pode parecer um pouco cansado dada a perspectiva aplicada a esta história. Estamos falando do ponto de vista de uma mulher branca que parece vir da riqueza, isso é a formação de um sujeito que já é regra no campo da representação, não é surpresa que o filme brinque com a transposição entre GH e a própria Clarice, que também parte deste lugar. Ainda assim, o que torna esta narrativa interessante é a capacidade de dar forma a esta angústia existencial. Tudo é muito intenso, muitas vezes as palavras não transmitem o sentimento que precisa ser expresso mas GH ainda tenta.

O maior problema desta adaptação pode ser justamente o desejo de transpor diretamente o texto para a tela. Como dito anteriormente, este é um texto denso e mesmo que a atuação de Cândido no papel principal seja competente, não apaga um problema inevitável nesta adaptação, que é o tempo. A vertente visual tenta dar um acompanhamento poético que, mesmo na sua abstração, ainda consegue trazer um elemento um pouco mais direto aos assuntos discutidos, mas a palavra continua em primeiro plano e presença constante. A questão é que é difícil acompanhar essa narrativa sem um contato prévio com o material base e se permitir sentir tudo o que está sendo expresso nesse fluxo de pensamentos.

“O horror sou eu diante das coisas”. Esta frase pode ser capaz de enquadrar o sentimento principal de A Paixão Segundo GH O desconforto existencial transborda para uma narrativa que canaliza o “comum” em gatilho de transformação. Ainda assim, a qualidade densa do texto de Clarice talvez acabe trabalhando contra o fluxo do filme, que, diferentemente de um texto, onde o ritmo é de certa forma ditado pelo leitor, acaba por aprisionar seu conteúdo em um espaço e tempo específicos que talvez acabe dificultando a absorção de suas ideias.



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