O que a sequência cruel de feminicídios no Vale do Itajaí alerta para a sociedade

Nice Bertoldi, Ione Maria dos Santos e Eduarda Gorgik. Essas são as vítimas de uma sequência cruel de feminicídios que abalou o Vale do Itajaí neste fim de semana. Mulheres jovens, com idades entre 25 e 43 anos, elas foram assassinadas pelos próprios companheiros dentro das casas onde moravam — e acreditavam estar seguras —, segundo a polícia.

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Os crimes que chocaram a região e viraram assunto nas rodas de conversa nesta segunda-feira (15) trazem à tona a pergunta: por que é tão difícil combater os feminicídios? Com longa experiência no enfrentamento à violência doméstica, o delegado Gustavo Kremer e o doutor em serviço social Ricardo Bortoli são unânimes na resposta. Porque o problema é estrutural e está enraizado na sociedade.

Ricardo trabalha com grupos de homens agressores em um serviço oferecido pela prefeitura de Blumenau, cujo objetivo é tentar romper os ciclos de violência. Ele analisa que o problema é altamente complexo e por isso tão complicado de ser solucionado. Isso porque o machismo atravessa gerações e está ancorado na educação desde a infância até a vida adulta, seja em casa, na escola ou na igreja.

Quando a violência se instaura, Gustavo diz que algumas vítimas têm dificuldades em escapar dos relacionamentos abusivos por fatores como dependência financeira, emocional ou até mesmo as ameaças constantes. Na visão dele, comportamentos violentos muitas vezes estão ligados a problemas psicológicos ou emocionais, o que pode dificultar a identificação e prevenção precoce.

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Quem são as vítimas dos feminicídios

É ponto pacífico então a necessidade de uma mudança cultural para que a mulher não seja vista como propriedade do homem. E nesse aspecto, Gustavo cita as campanhas de conscientização, como o Papo de Homem, para engajá-los a assumir publicamente um compromisso contra a violência e destacando como o respeito pelas mulheres é parte integrante da masculinidade.

Na mesma linha, Ricardo cita a necessidade de grupos reflexivos abertos a todos os homens, não somente aos que chegaram ao ponto de agredir a companheira. A leitura do especialista é sobre a necessidade de ressignificar a forma de existir enquanto pessoa para estabelecer relações saudáveis. Ele cita a dificuldade dos homens de lidar com questões afetivas por causa de crenças como “homem não chora e precisa ser forte”.

Nesse contexto, aponta ainda o fato de que 20% daqueles que mataram as esposas em Santa Catarina no ano passado tiraram a própria vida. Sérgio Correa, apontado como responsável por matar Eduarda Gorgik, se matou após o crime. Diego Raulino, que matou Ione Maria dos Santos, disse ter tentado se suicidar após o assassinato. O companheiro de Nice Bertoldi fugiu e na tarde desta segunda (15) não tinha sido preso.

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Mas seriam esses relacionamentos marcados por violência, com denúncias anteriores à polícia, que culminaram em feminicídios? Essa pergunta apenas as investigações vão responder, mas o doutor em serviço social Ricardo Bortoli provoca uma reflexão:

— Se observar, muitas das mulheres que sofrem feminicídio não têm denúncia contra o companheiro. E não é que não sofrem violência. É que tem dificuldade de romper esse medo de fazer denúncia, porque é correr o risco de encontrar uma rede ainda muito frágil. Então uma das questões principais é o preparo das polícias e do judiciário, além de pensar serviços de fortalecimento de emancipação das mulheres.

Ele cita que abrigos para mulheres vítimas de violência não são realidade em todas as cidades catarinenses, também não há delegacias especializadas em todos os municípios e a Rede Catarina, que atua com proteção à mulher, está focada na fiscalização do cumprimento de medidas protetivas e ainda em horário comercial.

A solução mágica não existe, diante da complexidade de fatores que envolvem os casos, mas o delegado Gustavo Kremer pontua os caminhos a serem seguidos:

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— Investir em educação social, em atendimento policial especializado, suporte multidisciplinar às vítimas e na punição exemplar dos agressores são medidas que deverão ser constantemente perseguidas.

Como e onde denunciar

Disco 100 do Disco 180: Canais abertos pelo governo federal para fazer denúncias de violência doméstica.

Polícia Militar: em caso de emergência, 190. A equipe da Rede Catarina pode tirar dúvidas através do (47) 3378 9047.

Polícia Civil: Procure a DPCAMI na rua Jacob Brueckheimer, 326, bairro Velha. O telefone é: (47) 3329-8829.

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Cras e Creas: Locais com o objetivo de atender pessoas em situação de vulnerabilidade, que podem vir a sofrer ou sofreram algum tipo de violência física ou psicológica. Oferecem serviços para a prevenção de casos de agressões, além de cursos e acesso a benefícios sociais. Há sete Centros de Referências em Assistência Social (Cras) e dois Centros de Referência Especializada em Assistência Social (Creas) espalhados por Blumenau. Todos são administrados pela prefeitura. Os endereços e horários de atendimento podem ser consultados neste link.

Defensoria Pública: Presta atendimento jurídico às vítimas de violência. Em Blumenau, a defensoria está na Rua Joinville, 860, no bairro Vila Nova. Telefone: (47) 3378-8436. Clique aqui para acessar o site da instituição na cidade.

Ministério Público Estadual: Atende pessoas em situação de vulnerabilidade. Busque informações e endereços nenhum site.

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