Revisão |  Atirador

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Após os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, a sociedade norte-americana foi profundamente afetada, marcada por um sentimento de dor, melancolia e medo que permeou toda uma geração. Esse medo pode ser entendido de duas formas diferentes: o medo de um novo ataque ou mesmo de uma possível invasão do país. Tratava-se do medo do desconhecido, uma tensão que se estabeleceu em todas as áreas da sociedade, algo que não se sentia desde os tempos da Guerra Fria.

Enquanto o outro medo residia na desconfiança em relação à própria nação e às suas instituições, alimentada por teorias da conspiração. Na verdade, não faltaram especulações sobre o envolvimento do próprio governo norte-americano nos ataques, sugerindo que estes tinham sido concebidos como pretexto para justificar uma invasão militar do país responsável. Este clima de desconfiança contribuiu para a divisão da nação, criando uma fissura social. Assim, a sociedade norte-americana encontrou-se num estado de profunda ansiedade e incerteza, onde o medo permeava todos os aspectos da vida quotidiana.

Portanto, se o cinema é de fato um reflexo de sua época, como discuti em meu texto anterior (A memória infinita), é notável a profundidade com que o cinema americano pós-2001 aborda estes medos. Um exemplo claro é Cloverfield – O Monstroque simbolicamente se assemelha a uma espécie de Godzilla Americano, representando o medo da invasão, do desconhecido e da impotência de uma nação diante desses acontecimentos. Por outro lado, há filmes que exploram a desconfiança nacional e o enfraquecimento do patriotismo, como é o caso de Atirador.

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No filme, acompanhamos a trajetória de Bob Lee Swagger (interpretado por Mark Wahlberg), um ex-atirador da Marinha que deixou o serviço militar após ser traído. Vivendo isolado em um retiro remoto nas montanhas, Bob é abordado pelo coronel aposentado Isaac Johnson (interpretado por Danny Glover), que lhe pede ajuda em uma situação crítica: a vida do presidente está em perigo, e apenas suas habilidades de tiro de longo alcance de Bob pode evitar esta ameaça iminente. Apesar de inicialmente relutante, Bob acaba aceitando o emprego. No entanto, ele logo descobre que toda a situação é na verdade uma armadilha inventada por Johnson.

O filme de Antoine Fuqua não só aborda, mas também explora esta fragilidade nacional. Estamos diante de um soldado que, apesar de traído, ainda está disposto a ajudar o seu presidente, mas é claro que mesmo essa vontade tem limites. Atirador baseia-se nesta revolta, apresentando um discurso ideológico que representa a raiva reprimida de uma nação. Bob descobre que os Estados Unidos não são os defensores da liberdade como afirmam ser; pelo contrário, vê-os como um país assassino e genocida que procura o poder a qualquer custo. Esta revelação, este novo engano, desencadeia para ele uma jornada de vingança. Embora o drama inicial possa tender um pouco para o patriotismo ou nacionalismo excessivo do tipo “minha nação acima de tudo”, a partir do ponto de virada a ação e o melodrama assumem novas nuances e se aprofundam.

Fuqua expressa em sua imagem a atmosfera de desconfiança e mistério, criando duas abordagens distintas em seu filme. Por um lado, acompanhamos as investigações conduzidas pelo agente do FBI Nick Memphis (interpretado por Michael Peña), onde a montagem parece criar um ritmo algo linear, com movimentos mais calculados e olhares assustados, como se os personagens estivessem constantemente sob observação. Por outro lado, testemunhamos a violência personificada por Bob Lee. Aqui, a montagem ganha um tom mais brutal e abrupto, com movimentos frenéticos e olhares cheios de dor e ódio. O interessante é que quando esses dois “mundos” se encontram dentro do filme, o próprio formalismo se funde. A violência se entrelaça com o mistério, o voyeurismo persecutório se junta ao frenético da montagem, o medo/impotência e o ódio tomam conta da imagem.

Recentemente, em uma postagem na rede social X/Twitter, me deparei com um comentário que afirmava que todo bom filme de ação é, em essência, um bom melodrama. De certa forma, esse comentário faz muito sentido. O melodrama é um gênero dramático que se caracteriza pela ênfase nas emoções internas dos personagens. Algumas características principais do melodrama incluem: emoções intensas, conflito moral, excesso e espetáculo, entre outras. Agora, quando você considera essas características e as aplica aos filmes de ação, é fácil ver como os dois gêneros se sobrepõem.

Em João Wick, por exemplo, presenciamos um personagem que decide se vingar de uma facção inteira simplesmente porque roubaram seu carro e mataram seu cachorro. Isso é puro melodrama, a elevação dos sentimentos do personagem ao extremo, ou, neste caso, ao absurdo. Dessa forma, o melodrama também está presente em Atirador, principalmente na jornada emocional do protagonista Bob Lee Swagger e nos conflitos morais que ele enfrenta ao longo da narrativa. Vale ressaltar que isso não se limita apenas ao texto ou roteiro; o melodrama, sobretudo, se manifesta na imagem. Aqui, Fuqua valoriza muito a ambientação, utilizando a câmera de forma significativa.

Em uma das cenas de abertura do filme, por exemplo, vemos Bob e seu cachorro nas montanhas, e o movimento da câmera enfatiza os sentimentos do personagem imerso naquele ambiente de vazio e solidão. Além disso, durante as cenas de ação, o uso da câmera lenta serve para espetacularizar a violência e a vingança do protagonista. Apesar de Atirador sendo um filme extremamente americano, com uma idealização patriótica onde Bob assume a figura heróica da integridade e da honra, enquanto Johnson personifica a corrupção e a traição, criando uma dicotomia que lembra histórias em quadrinhos, ainda é possível apreciar o bom melodrama e a ação envolvente que o filme oferece.



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