Revisão |  Holocausto Brasileiro

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Em 2013, Daniela Arbex publicou um livro-reportagem sobre as violações sistêmicas dos direitos humanos cometidas no Hospital Colônia de Barbacena durante décadas, resultando em aproximadamente 60 mil mortes. Três anos depois, a escritora dirigiu um filme homônimo baseado em seu próprio livro ao lado de Armando Mendz. O documentário mostra uma das maiores tragédias da história do nosso país, desconhecida por grande parte da população.

Construído a partir de relatos de ex-funcionários, moradores daquela região, ex-pacientes sobreviventes, além de jornalistas e fotógrafos que foram os primeiros a denunciar os abusos cometidos na época, o filme pretende não apenas expor as condições desumanas perpetradas, mas também, tentando entender como a equipe, os familiares, o Estado e a sociedade brasileira permitiram que esse estado de barbárie se instalasse, sem que, há mais de cinquenta anos, nada fosse feito.

Nesse sentido, a dupla de dirigentes não aponta o dedo a um único responsável, afinal, um extermínio dessa magnitude só foi possível graças à ação de poucos e às omissões de muitos. É claro que, neste caso, existem graus de culpabilidade – algo até reforçado pelo filme – no entanto, a situação só atingiu níveis tão alarmantes devido à negligência generalizada.

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O hospital, que inicialmente era referência no tratamento de doenças mentais entre as elites, aos poucos tornou-se um verdadeiro “depósito” humano, onde as famílias podiam abandonar aqueles que não se comportavam de acordo com os padrões da época. Ou seja, o descaso começa justamente no seio familiar, quem deveria proteger e lutar por essas pessoas, consideradas socialmente indesejadas, prefere simplesmente descartá-las e lavar as mãos. Em seus relatos, os ex-pacientes lamentam o abandono e declaram que ainda sentem falta dos familiares que lhes viraram as costas.

A partir do momento em que essas pessoas são drenadas pelo próprio sangue, o hospital se sente no direito de tratá-las como achar melhor. Eles não foram enviados para lá com a intenção de se recuperarem ou de terem uma existência digna, apenas tiveram que esperar pela morte. E por essa lógica, eles não precisariam ser bem cuidados.

O filme intercala entrevistas e dados com fotografias para construir a sensação do espectador de como aquelas vítimas foram simplesmente descartadas ali e despojadas de sua humanidade e, nesse sentido, o título cai como uma luva, já que as semelhanças com os campos de concentração são assustadoras – inclusive em relação a pacientes chegando lá de trem. Porém, diferentemente do que aconteceu na Alemanha nazista, esse genocídio não é pensado a partir do desejo direto de matar suas vítimas, o que acontece em Barbacena é “apenas” o desinteresse em mantê-las vivas e com dignidade, o que reforça ainda mais a acusação de que fechar os olhos e lavar as mãos pode levar a resultados igualmente prejudiciais.

Com uma história tão impactante em mãos, os cineastas apostam muito mais num tom investigativo do que apelativo, culminando num trabalho respeitoso e não exploratório, para que o alerta ressoe ainda mais alto junto de quem assiste.

O documentário Holocausto Brasileiro chegou recentemente à Netflix e vale a pena conferir para conhecer essa mancha na trajetória do nosso país.



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