Equipe do Departamento de Caça e Pesca de New Hampshire tentam avançar na neve para encontrar montanhista


Os militares israelenses profanaram pelo menos 16 cemitérios na sua ofensiva terrestre em Gaza, descobriu uma investigação da CNN, deixando lápides destruídas, solo revolvido e, em alguns casos, corpos desenterrados.

Em Khan Younis, no sul de Gaza, onde os combates aumentaram no início dessa semana, as forças israelenses destruíram um cemitério, removendo corpos no que as Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram à CNN ser parte de uma busca pelos restos mortais de reféns sequestrados pelo Hamas durante o ataque terrorista de 7 de outubro.

A CNN revisou imagens de satélite e de redes sociais mostrando a destruição de cemitérios e testemunhou isso em primeira mão enquanto viajava com as FDI em um comboio.

Juntas, as provas revelam uma prática sistêmica em que as forças terrestres israelenses avançaram através da Faixa de Gaza.

A destruição intencional de locais religiosos, como cemitérios, viola o direito internacional, exceto em circunstâncias restritas relacionadas com o fato desse local se tornar um objetivo militar, e especialistas jurídicos disseram à CNN que os atos de Israel podem constituir crimes de guerra.

Um porta-voz das FDI não conseguiu explicar a destruição dos 16 cemitérios para os quais a CNN forneceu as coordenadas, mas disse que os militares por vezes “não têm outra escolha” a não ser atacar cemitérios que alegam que o Hamas utiliza para fins militares.

Vista de cemitério danificado após ataques de Israel perto do hospital Nasser, em Khan Younis, Gaza, em 17 de janeiro.
Vista de cemitério danificado após ataques de Israel perto do hospital Nasser, em Khan Younis, Gaza, em 17 de janeiro. / Jehad Alshrafi/Anadolu via Getty Images

As FDI disseram que resgatar os reféns, encontrar e devolver os seus corpos é uma das suas principais missões em Gaza, razão pela qual os corpos foram removidos de alguns túmulos.

“O processo de identificação de reféns, conduzido em um local seguro e alternativo, garante ótimas condições profissionais e respeito ao falecido”, disse um porta-voz das FDI à CNN, acrescentando que os corpos que não são de reféns são “devolvidos com dignidade e respeito”.

Mas, em outros casos, os militares israelenses parecem ter utilizado cemitérios como postos militares avançados.

A análise de imagens e vídeos de satélite da CNN mostrou que as escavadeiras israelenses transformaram vários cemitérios em locais de preparação, nivelando grandes áreas e erguendo barreiras com solo para fortalecer as suas posições.

No bairro de Shajaiya, na Cidade de Gaza, veículos militares israelenses podiam ser vistos no local onde antes ficava o cemitério, com barreiras de solo cercando-os por todos os lados.

A parte central do cemitério de Shajaiya foi limpa antes da guerra, segundo relatos da mídia local. Mas imagens de satélite mostraram que outras partes foram demolidas mais recentemente, e uma presença das FDI visível, a partir de 10 de dezembro.

Imagem de 31 de outubro de 2023 mostra o cemitério de Shajaiya, na cidade de Gaza, com os túmulos intactos / CNN/Maxar Technologies
Imagem de 10 de janeiro de 2024 mostra o cemitério de Shajaiya, na cidade de Gaza, já com a terra revirada e os túmulos destruídos / CNN/Maxar Technologies

Em 18 de dezembro, as FDI publicaram uma foto sem data do que disseram ser um lançador de foguetes do Hamas no cemitério de Shajaiya.

A CNN não conseguiu verificar de forma independente quando ou onde a foto foi tirada.

Uma cena semelhante de destruição foi visível no cemitério de Bani Suheila, a leste de Khan Younis, onde imagens de satélite revelaram a demolição deliberada e progressiva do cemitério e a criação de fortificações defensivas ao longo de pelo menos duas semanas, no final de dezembro e início de janeiro.

Cemitério Bani Suheila, a leste de Khan Younis, em 11 de novembro de 2023 / CNN/PlanetLabs
Imagem do cemitério Bani Suheila, a leste de Khan Younis, em 30 de dezembro de 2023, mostra fortificações defensivas feitas no solo / CNN/PlanetLabs

No cemitério de Al Falouja, no bairro de Jabalya, ao norte da Cidade de Gaza, no cemitério de Al-Tuffah, a leste da Cidade de Gaza, e em um cemitério no bairro de Sheikh Ijlin, na Cidade de Gaza, lápides destruídas e marcas pesadas no solo apontavam para veículos fortemente blindados ou tanques dirigindo sobre sepulturas.

O veículo blindado que transportava uma equipe da CNN passou na semana passada diretamente pelo cemitério de New Bureij, em Al-Bureij, um campo de refugiados palestinos no centro de Gaza, ao sair da faixa.

Os túmulos eram visíveis em ambos os lados da estrada de terra recém-demolida, como visto em uma tela dentro do veículo mostrando uma transmissão ao vivo de sua câmera frontal.

A CNN confirmou a localização do cemitério ao geolocalizar as imagens do interior de Gaza naquele dia e verificando as imagens de satélite.

Novo cemitério de Bureij em Al-Bureij, um campo de refugiados palestinos no centro de Gaza, em 8 de outubro de 2023 / CNN/PlanetLabs
Estrada aberta no novo cemitério de Bureij em Al-Bureij, um campo de refugiados palestinos no centro de Gaza, em 12 de janeiro de 2024 / CNN/PlanetLabs

Outros cemitérios analisados pela CNN em imagens de satélite mostraram poucos ou nenhum sinais de destruição, ou fortificações militares, entre eles dois cemitérios onde estão enterrados soldados mortos na Primeira e Segunda Guerra Mundial, incluindo cristãos e alguns judeus.

O porta-voz das FDI não explicou por que grandes áreas de cemitérios foram demolidas para convertê-los em postos militares ou por que veículos militares foram estacionados onde antes existiam sepulturas.

“Temos uma séria obrigação de respeitar os mortos e não existe uma política para criar postos militares em cemitérios”, disse o porta-voz à CNN.

As forças israelenses danificaram gravemente o cemitério em Khan Younis entre a noite de segunda-feira (15) e a manhã de quarta-feira (17), enquanto avançavam na área ao redor do complexo do Hospital Al Nasser e de um hospital de campanha jordaniano, de acordo com imagens de satélite e vídeos revisados e geolocalizados pela CNN.

As FDI disseram à CNN que quando a “inteligência crítica ou informação operacional é recebida”, eles conduzem “operações precisas de resgate de reféns em locais específicos onde as informações indicam que os corpos dos reféns podem estar localizados”.

Israel disse que 253 pessoas foram feitas reféns durante os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro e acredita que 132 reféns ainda estão em Gaza – 105 deles vivos e 27 mortos.

“Não consegui encontrar o túmulo dela”

A filha de Munther al Hayek, Dina, foi morta na guerra de Gaza em 2014. No início de janeiro, ele visitou o túmulo de Dina no cemitério Sheikh Radwan, na Cidade de Gaza, mas ela não estava lá. Ele tentou encontrar o túmulo de sua avó. Também não estava lá.

“As forças de ocupação os destruíram e arrasaram”, disse Hayek, porta-voz do grupo de oposição palestino Fatah em Gaza, à CNN. “As cenas são horríveis. Queremos que o mundo intervenha para proteger os civis palestinos”.

Mosab Abu Toha, um poeta de Gaza cujo trabalho foi publicado no New York Times e no New Yorker, também soube que o cemitério onde o seu irmão mais novo e o seu avô estão enterrados foi fortemente danificado pelos militares israelenses.

Agora seguro no Cairo, Abu Toha contou à CNN como, no dia 26 de dezembro, o seu irmão ligou para ele do cemitério de Beit Lahia, no norte de Gaza, à procura dos seus entes queridos, mas não conseguiu encontrá-los.

As forças de ocupação os destruíram e arrasaram… As cenas são horríveis. Queremos que o mundo intervenha para proteger os civis palestinos

Munther al Hayek, cujo túmulo da filha foi destruído

Em uma gravação da videochamada deles, vista pela CNN, escombros cobrem o terreno onde ficava o cemitério. Marcas de veículos militares pesados cruzam o cemitério em imagens de satélite.

O número de mortos em Gaza aumenta a cada dia. Mais de 24 mil palestinos foram mortos em ataques israelenses, de acordo com o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas em Gaza.

Os enterros acontecem muitas vezes rapidamente, de acordo com a prática islâmica, e, desde o início da guerra, os mortos têm sido frequentemente enterrados em valas comuns.

No final de dezembro, Israel devolveu os corpos de 80 palestinos mortos na guerra, dizendo ter confirmado que não eram reféns israelenses feitos pelo Hamas. Reportagens da mídia palestina da época disseram que os cadáveres devolvidos não eram identificáveis. A CNN não pode verificar essas afirmações de forma independente.

Respeitando os mortos

Especialistas em direito internacional afirmam que a profanação de cemitérios viola o Estatuto de Roma, o tratado de 1998 que estabeleceu e rege o Tribunal Penal Internacional (TPI) para julgar crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de agressão.

Israel, que originalmente apoiou a criação do tribunal, não ratificou o Estatuto de Roma.

Os cemitérios recebem proteções como “bens civis” sob o direito internacional e recebem proteções especiais, com exceções limitadas.

Os cemitérios só podem ser atacados ou destruídos se a outra parte beligerante os utilizar para fins militares, ou se isso for considerado uma necessidade militar, sendo que a vantagem militar obtida supera os danos aos bens civis.

“A natureza civil do cemitério permanece intacta até certo ponto. Portanto, alguém que queira atacar um cemitério ainda tem que levar em conta o tipo de uso civil das sepulturas e a importância civil do cemitério, e tem que minimizar os danos à função civil do cemitério”, disse Janina Dill, codiretora no Instituto de Ética, Direito e Conflitos Armados da Universidade de Oxford.

Médicos e outras pessoas cavam uma vala comum para mortos no pátio do Hospital Al-Shifa em Gaza em 14 de novembro de 2023 / Khader Al Za’anoun/CNN

A África do Sul levantou a questão da destruição de cemitérios em Gaza pelas FDI como parte do seu caso na Corte Internacional de Justiça, argumentando que Israel está cometendo genocídio.

Israel nega a alegação, mas Dill disse que, embora a destruição de cemitérios por si só não constitua genocídio, pode acrescentar provas da intenção de Israel.

“Há um enorme significado simbólico na noção de que nem mesmo os mortos ficam em paz”, disse Dill. “O Direito Internacional Humanitário protege a dignidade das pessoas que estão fora do combate, e essa proteção não termina quando morrem”.

Mas, em pelo menos dois casos, é evidente que foram tomadas medidas para respeitar os mortos – em cemitérios onde os palestinos não estão enterrados.

A apenas 800 metros do cemitério destruído de Al-Tuffah, a leste da Cidade de Gaza, um cemitério onde estão os corpos de soldados, em sua maioria britânicos e australianos, que morreram na Primeira e Segunda Guerra Mundial, permanece praticamente intacto. Uma cratera no cemitério aparece em imagens de satélite entre 8 e 15 de outubro, mas permaneceu intocada pela guerra.

Um segundo cemitério administrado pela Comissão de Túmulos de Guerra da Commonwealth, no centro de Gaza, oferece um exemplo ainda mais nítido.

Veículos e estradas destruídos estavam ao redor do cemitério. Mas o próprio cemitério, que contém os túmulos de maioria cristãos e de alguns soldados judeus da Primeira Guerra Mundial, está intacto.

O que está acontecendo é uma violação clara dessas regras básicas e é considerado um crime de guerra ‘cometer ultrajes à dignidade pessoal’ sob o Estatuto de Roma

Muna Haddad, advogada de direitos humanos

Soldados israelenses até posaram com uma bandeira israelense junto ao túmulo de um soldado judeu ali enterrado e outra imagem publicada nas redes sociais mostra um tanque parado à beira do cemitério – respeitando a santidade daquele solo sagrado.

O respeito de alguns mortos, mas não de outros, viola o direito internacional, disse Muna Haddad à CNN, advogada de direitos humanos e pesquisadora sobre o tratamento dos mortos.

“O que está acontecendo é uma violação clara dessas regras básicas e é considerado um crime de guerra ‘cometer ultrajes à dignidade pessoal’ sob o Estatuto de Roma”, disse ela.

*Com informações de Benjamin Brown e Gianluca Mezzofiore, da CNN.



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