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Era 6 de dezembro de 2023. Em pouco menos de 10 horas, o vereador paulistano Rubinho Nunes (União Brasil), integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), conseguiu 24 assinaturas para criar o que chamava de CPI das ONGs do Centro. No texto, o parlamentar afirma que a comissão pretende “investigar as Organizações Não Governamentais (ONGs) que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos dependentes químicos que frequentam a região da Cracolândia.”

No entanto, no último mês a narrativa mudou de foco. Após protocolar o pedido da CPI, o vereador deixou escancarado nas redes sociais o real motivo para o pedido de instauração da comissão: investigar o padre Júlio Lancelotti, uma das figuras mais respeitadas de São Paulo, pelo trabalho que realiza no auxílio às pessoas em situação de rua no município, e grupos que prestam assistência aos dependentes químicos na região conhecida como Cracolândia.

Em algumas das suas publicações, Nunes se refere a Lancelotti como “cafetão da miséria” e critica a Craco Resiste, coletivo que atua na Cracolândia, por “distribuir seringa e cachimbo para que vagabundo possa se drogar”.

Em outro texto publicado em suas redes sociais, o vereador explica que a distribuição de seringas e cachimbos “é a famosa cartilha da ‘redução de danos’ propagada pela Craco Resiste e outras ‘lideranças’ esquerdistas”.

Entre os signatários da CPI, dez retiraram o apoio à comissão após os posts sensacionalistas de Nunes nas redes sociais e a repercussão negativa sobre o episódio.

Essa não é a primeira vez que Rubinho Nunes se apela para avaliação preconceituosas sobre redução de danos de olho em benefícios eleitorais. Na eleição de 2020, quando conseguiu ser eleito vereador, o integrante do MBL foi a Cracolândia entrevistar pessoas que circulam na região e acusou a Craco Resiste de distribuir seringas e cachimbos aos dependentes químicos.

Na época, em entrevista ao Brasil de Fato, o movimento confirmou que é favorável à doação de seringas e cachimbos aos usuários como forma de redução de danos, mas que nunca pode fazê-lo por falta de recursos.

“Sinto que voltei 20 anos no tempo. Tenho que ficar defendendo uma coisa que já estava superada. Não distribuímos porque de fato não temos dinheiro, mas poderíamos distribuir”, contou Rafael Escobar, que era integrante da Craco Resiste.

Agora, o vereador mais uma vez volta sua atenção para o coletivo e questiona a redução de danos, política consagrada na área de saúde. “A redução de danos é um conjunto de estratégias que visa minimizar os danos causados pelo uso de diferentes tipos de drogas, sem necessariamente o indivíduo se tornar abstinente imediatamente. Ela pode contribuir para que o indivíduo chegue à abstinência também e é um conjunto de medidas pautadas pelos direitos humanos”, explica Maria Angélica Comis, vice-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc).

Um exemplo dessa atuação, na prática, é a entrega de uma seringa nova ao usuário de droga, para evitar que ele se contamine com o compartilhamento do objeto já utilizado por outras pessoas.

Mais de um século de redução de danos

Comis, que atua na região, explica que, mais uma vez, o vereador espalha informações erradas sobre a atuação de organizações na região, pois não há distribuição de seringas e cachimbos ao usuário na Cracolândia, embora essa necessidade exista. 

“Os insumos entregues na Cracolândia não são seringas e cachimbos. O que se distribui como redução de danos são piteiras, para que as pessoas não compartilhem o cachimbo e evitem a transmissão de hepatite, por exemplo; água e protetor labial, porque as pessoas não têm acesso a água potável, então não se hidratam e ficam com os lábios muito rachados”, conta Comis.

A política de redução de danos não é uma novidade. Comis conta que essa prática teve início em 1920 no Reino Unido, inspiradas em terapias de substituição para veteranos de guerra que voltavam para suas casas viciados em morfina. “Havia uma estratégia de dar morfina em pequenas doses para amenizar a dependência”, relata. 

“Outra estratégia conhecida são os espaços de uso seguro. Nós temos mais de cem salas de uso de drogas no mundo, voltadas para o uso de injetáveis. Mas hoje em dia temos salas de uso de drogas fumáveis, como crack, em alguns países, como a Espanha”, finaliza. 

Edição: Thalita Pires






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