2023 termina com uma transformação profunda na realidade cubana, decorrente de processos de anos que vêm modificando a realidade do país. 

No entanto, de acordo com o governo, a pandemia, o endurecimento do bloqueio e seus próprios erros fizeram com que as atualizações econômicas não atingissem os objetivos de crescimento estabelecidos. Nesse contexto, o governo pretende implementar uma nova “retificação econômica”.

De acordo com estimativas oficiais, a economia cubana encerrará 2023 com uma recessão entre 1% e 2%. O cenário é marcado pelo rápido crescimento da desigualdade na ilha e pela aceleração da inflação, que o governo estima que ultrapassará 30% este ano.

Nos últimos quatro anos, Cuba vem passando por uma profunda crise econômica. Em 2020, durante a pandemia de covid-19, a ilha sofreu uma queda de 10,9% no PIB. Desde então, a economia cubana não conseguiu superar a situação crítica. Em 2021 e 2022, embora tenha havido um leve crescimento de 1,3% e 1,8%, respectivamente, essas modestas recuperações estiveram longe de compensar a perda. 

Nesse contexto, o governo cubano anunciou que, em 2024, implementará um “programa de estabilização” para a economia cubana. O anúncio foi feito durante a segunda sessão ordinária da Assembleia Nacional e foi apresentado pelo primeiro-ministro cubano Manuel Marrero. 

O programa de estabilização busca realocar os recursos que o Estado gasta em subsídios universais. Passando de um modelo que subsidia produtos para um modelo que subsidia economicamente setores sociais específicos. Além disso, foi anunciada uma desvalorização da taxa de câmbio e aumentos nos preços da energia e combustíveis.


Transformações econômicas

O programa de estabilização visa corrigir reformas implementadas na ilha sob o nome de “tarefas de ordenamento” – um planejamento de reformas monetárias e cambiais – que não atingiram seus objetivos. Muitas dessas reformas vêm sendo discutidas há mais de uma década, mas sua implementação foi postergada até o início da pandemia.

“Estas transformações ocorreram em um processo muito complexo que coincidiu com a covid-19 e o endurecimento do bloqueio” afirma Joel Marill, representante do Ministério da Economia cubano ao Brasil de Fato. “E seus objetivos não foram totalmente alcançados”, prossegue.

“Tem havido um repensar de como continuar avançando nessa reordenação da economia, sobretudo questões cambiais, fiscais e monetárias. De um ponto de vista que nos permita gerar um ambiente de crescimento e recuperação econômica” acrescenta.  

Em 2021, Cuba aprovou um conjunto de novas regulamentações que ampliaram a presença do setor privado. A partir desse momento, possibilitou-se a criação de pequenas e médias empresas privadas.  

De acordo com o Ministério da Economia e Planejamento, ao final de 2023, 9.810 pequenas e médias empresas ( MIPYMES) foram autorizadas a operar no país. Entre elas, cerca de 3.600 MIPYMES foram criadas este ano. Estima-se que 15% dos trabalhadores são empregados nessas empresas. 

As MIPYMES fazem parte de um conjunto de formas econômicas não-estatais, como cooperativas ou trabalho autônomo, que está se espalhando no país. Considerando que, no sistema socialista cubano, o setor estatal – que tem diferentes formas organizacionais – é o único que pode controlar o que o país considera setores estratégicos, como bancos, infraestrutura do país, saúde, educação e defesa.

Bloqueio dos EUA


“É preciso entender que a economia cubana, embora enfrente desafios e problemas conceitualmente semelhantes aos de outras economias latino-americanas, está se desenvolvendo em um contexto muito mais complexo. Acima de tudo, devido ao impacto do bloqueio dos EUA e seu cerco financeiro sobre a economia” assegura Joel Marill.

“Isso tem um impacto em quase todos os aspectos da economia. Enfraquece a capacidade de gerar riqueza e a redistribuir de forma socialmente justa. É claro que isso acaba tendo um impacto sobre a desigualdade e a vulnerabilidade da população cubana. O bloqueio não é o único problema econômico de Cuba, mas, sem dúvida, condiciona todos os outros problemas do país”, afirma ele. 

Em 2 de novembro deste ano, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por maioria esmagadora, uma resolução exigindo o fim do bloqueio econômico e comercial que os Estados Unidos impõem a Cuba há mais de seis décadas.

A resolução foi aprovada com o voto positivo de 187 países, uma abstenção (Ucrânia) e apenas dois votos negativos, os dos Estados Unidos e de Israel – que todos os anos votam contra a resolução. 

O ministro das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez, antes da votação, defendeu a posição de Cuba, argumentando que o bloqueio “viola o direito à vida, à saúde, à educação e ao bem-estar de todos os cubanos”, e o descreveu como “um ato de guerra econômica em tempos de paz, que tem o objetivo de anular a capacidade do governo de satisfazer as necessidades da população, criar uma situação de ingovernabilidade e destruir a ordem constitucional”.

O documento aprovado pela Assembleia Geral da ONU afirma que, de março de 2022 a fevereiro de 2023, “o bloqueio causou danos a Cuba estimados em US$ 4,867 bilhões (quase R$ 25 bi)”, o equivalente a perdas de US$ 13 milhões por dia.

O bloqueio dos EUA contra Cuba foi discutido pela primeira vez na Assembleia Geral da ONU em 1992. Todos os anos, desde então, o mais alto órgão deliberativo da ONU exige que os Estados Unidos suspendam o bloqueio unilateral contra Cuba, mas o país não acata a resolução.


Continuidade da política de Trump 

2023 marca o fim do terceiro ano de mandato do democrata Joe Biden como presidente dos Estados Unidos sem nenhuma mudança no bloqueio. Durante sua campanha presidencial, ele prometeu reverter o que chamou de “políticas fracassadas de Trump que prejudicaram os cubanos e suas famílias”. No entanto, até o momento, Biden mantém as medidas contra Cuba que Trump impôs em meio à crise da pandemia da covid-19.

Uma das principais medidas adotadas por Trump foi a inclusão de Cuba na lista de “países patrocinadores do terrorismo” elaborada pelo Departamento de Estado. A decisão de Trump ocorreu apenas nove dias após deixar a Casa Branca. 

Essa decisão foi ratificada pelo atual governo de Biden em 30 de novembro, quando ele manteve a inclusão de Cuba na lista. 

De acordo com a própria Assembleia Geral da ONU, “devido à classificação como um Estado que supostamente patrocina o terrorismo, várias empresas e entidades financeiras do mundo se recusaram a operar com Cuba por medo de represálias do governo dos EUA”.

Também afirma que “dezenas de bancos suspenderam suas operações com o país, incluindo transferências para a compra de alimentos, medicamentos, combustível e materiais” e que “mais de 50 missões diplomáticas cubanas enfrentaram dificuldades com as instituições bancárias que tradicionalmente lhes prestavam serviços, situação que afetou o funcionamento e o sustento das embaixadas e seus consulados”.

G77 + China 

Apesar do bloqueio dos EUA, Cuba conseguiu manter uma enorme capacidade diplomática com o resto do mundo e importante apoio político. 

Em meados de setembro, ocorreu em Havana a cúpula de chefes de Estado e de governo do Grupo dos 77 (G77) e da China, a maior organização intergovernamental de países do Sul Global dentro da Organização das Nações Unidas (ONU). 

O evento foi uma grande vitória diplomática para Cuba. Delegações oficiais de 116 países, juntamente com 12 organizações do sistema da ONU, viajaram para a capital cubana para coordenar ações conjuntas sobre os problemas do Sul Global.  

Apesar de Washington manter Cuba em sua lista de “países que promovem o terrorismo”, o alerta sobre o suposto “perigo” que Cuba representaria não dissuadiu mais de 60% dos países pertencentes à comunidade internacional de decidir viajar à ilha e participar do evento. Tampouco impediu que líderes de todo o mundo se manifestassem na própria ilha contra o bloqueio.

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho






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